A ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO PROFETISMO EM ISRAEL
FACULDADE EVANGÉLICA DE BRASILIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA BÍBLICA
A ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO PROFETISMO EM ISRAEL
Trabalho apresentado ao curso de pós-graduação em Teologia Bíblica da Faculdade Evangélica de Brasília para obtenção de nota na Disciplina História e Geografia de Israel.
Prof.º José Loyola
A ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO PROFETISMO EM ISRAEL
Jacob Edson de Moura Souza*
INTRODUÇÃO
A profecia bíblica trás muitos questionamentos. Quando observado o contexto do Novo Testamento, a palavra “profeta” é a mais comumente usada para designar as pessoas que ocupavam um ofício religioso específico no Antigo Israel.[1]
O presente artigo trata da origem e desenvolvimento do profetismo, analisando a origem do Profetismo Veterotestamentario, sua historicidade no Israel monárquico; com isso, aborda-se a origem interna do Profetismo, observando escritos do Antigo Oriente analisados por autores contemporâneos. Em seguida, analisa-se as origens internas do Profetismo em Israel, com base nos escritos bíblicos e nas narrativas que configuram o oficio do profeta, bem como os ditos proféticos tomados como livros canônicos.
Encerra-se este artigo fazendo uma breve reflexão sobre a necessidade da investigação bibliográfica coerente no processo de investigação das raízes do Profetismo bíblico, no sentido de desvelar possíveis compreensões errôneos, bem como aprofundar debates e acrescentar conhecimento a este aspecto tão misterioso e singular da cultura judaica primitiva.
- A Origem do Profetismo Veterotestamentário
A origem do profetismo na religião de Israel é por demais complexa para ser localizada de modo exato. Mesmo o termo “profeta” não é uma designação exata e uniforme no Antigo Testamento. Entretanto, para que se compreenda sua função e importância no seio religião israelita faz-se necessário que se busque sua origem histórica.
Segundo HILL e WALTON (2007), profeta é alguém que fala no lugar de outra pessoa. Na Bíblia, o profeta geralmente é porta-voz de Deus, embora Êxodo 7.1 se refira a Arão como profeta de Moises (v. Êxodo 4.16). Os autores ressaltam ainda o fato de que o ministério dos profetas bíblicos tendia a aumentar em tempos de crise.
O ministério dos profetas bíblicos tendia a aumentar em tempos de crise. Deus usou os profetas para orientar Seu povo em tempos de crises religiosas – oficialização do culto a Baal na época de Elias -, crises políticas – ameaças assírias e babilônicas- ou crises de identidade – enfrentadas pela comunidade pós-exílica. (2007, p.446)
Segundo LASOR, HUBBARD e BUSH (1999), profeta é tanto que proclama quanto que prediz; ambos os significados estão implícitos e encontrados na Bíblia. Ao analisarem o termo “profeta” no contexto etimológico hebraico, acentuam que o nabi’ , em seu padrão vocálico apoia o significado de “pessoa chamada”. Para os autores
Profeta, portanto, era alguém chamado por Deus e, como se vê no Antigo Testamento, chamado para falar em nome de Deus. A melhor ilustração do uso bíblico está na mensagem de Deus a Moises, onde ele é comparado a “Deus”, e Arão é descrito como sua “boca” (Êx. 4.15ss). O Profeta é aqui retratado como boca de Deus. Esse significado é reforçado nas formulas usadas com frequência no inicio ou no final dos livros proféticos: (1) a formula do mensageiro, “Assim diz (disse) o Senhor”, liga palavras do profeta às palavras de Javé assim como uma mensagem leva literalmente um despacho do rei ao comandante que está no campo de batalha; (2) a formula de recepção da mensagem, “a palavra do SENHOR veio a mim”, salienta a fonte divina da mensagem e a consequente autoridade do profeta; (3) a formula oracular, “diz o Senhor” (literalmente, “proferido pelo SENHOR”), tem o mesmo valor.(p.239)
- A origem externa
É provável que se encontre as origens do profetismo israelita nas comunidades amoritas do noroeste, de onde Israel possivelmente originou-se. Nos textos dos arquivos da cidade mesopotâmica de Mari, do século XVIII a.C., se encontram práticas proféticas muito semelhantes às dos profetas israelitas. Uma das principais semelhanças é a noção de revelação e a intervenção política do ministério profético. Isto combina com o fato de que a origem do profetismo veterotestamentário coincida com o surgimento da monarquia israelita.
Na perspectiva de HILL e WALTON (2007)
Evidencias da existência de uma instituição profética foram encontradas no Antigo Oriente Médio. Entre tabuinhas de Mari do século XVIIIa.C, foram achados cerca de cinquenta textos nos quais funcionários escreveram ao rei (Zinri-Lim) para informá-lo de profecias pronunciadas nos distritos a seu respeito. Outro grupo de profecias veio do Império Neo-Assírio e Assurbanipal. Nessas profecias do Antigo Oriente Médio, o Rei era o receptor e não o povo. As mensagens se relacionavam à atividade rural, questões militares ou aos projetos de construções. (p.446)
Segundo SCOTT (1968)
Uma das coisas mais significativas a respeito da profecia hebraica é sua sobrevivência, em diferentes formas através de uma grande parte da história religiosa de Israel. Há uma sucessão apostólica de vozes proféticas que não tem paralelo no mundo antigo. De outro modo, não poderíamos falar desse fenômeno israelita como inteiramente peculiar. Na literatura Babilônica, em grande parte na literatura egípcia, podem ser encontrados escritos similares aos relatos dos profetas hebreus. No decurso da história egípcia, muito mais longa e igualmente cheia de altos e baixos, houve períodos em que as condições sociais e religiosas se pareciam com as do oitavo século em Israel; nessas ocasiões, no Egito, se levantavam vozes que atacavam os males sociais com base em princípios éticos e religiosos. (1968, p.64)
1.2. A origem interna
É evidente que durante praticamente toda a história de Israel surgiram, esporadicamente, vozes proféticas trazendo mensagens da parte de Deus ao povo. Porém, se reconhece que o início concreto do profetismo, como uma instituição de fato, se deu no início da monarquia, especificamente na pessoa do profeta Samuel. Esta origem esteve relacionada a três acontecimentos ou situações surgidas no contexto nacional, as quais representavam ameaças ao javismo puro.
A primeira, foi a influência, cada vez maior, da religião cananéia na prática religiosa da nação, representada pelo sincretismo e pelos cultos a Baal e Astarte. Os cananeus praticavam uma religião naturalista, que “procurava compreender o ambiente natural do homem como uma manifestação de poderes divinos, e procurava influenciar, se não controlar, esse ambiente no interesse do homem.” O sincretismo com a religião naturalista de Canaã, se deu pelo fato dos israelitas, um povo de origem pastoril e nômade ou seminômade, ter que aprender as técnicas de cultivo da terra. O resultado, foi uma confusão na mente do povo do que caracterizava o culto à Baal e o culto à Yahweh. Com o tempo, características do deus Baal foram atribuídas a Yahweh e, não demorou, para que houvesse praticamente uma identificação entre ambos os cultos.
A segunda situação que também está relacionada ao irrompimento do profetismo israelita foi o surgimento da monarquia hereditarizante. A estrutura social, antes simples, “tornou-se agora mais centralizada e autocrática, e apareceu o Estado como uma nova entidade dentro da sociedade israelita.” Certamente, muitos viam esta mudança como mais uma influência corruptora Cananéia na política Israelita e que, certamente, acabaria por afetar também sua religiosidade.
Segundo LASOR, HUBBARD e BUSH (1999)
Com o chamado de Samuel, começa um novo período do profetismo no relato bíblico. Uma vez que isso coincide com a inauguração da monarquia, pode-se concluir que o profeta devia servir como voz de Deus para o Rei. O fato de o fim da atividade profética do Antigo Testamento ser aproximadamente contemporâneo ao fim do reino israelita parece apoiar esta ideia. (p.243)
Portanto, o profetismo surgiu a partir do momento em que a liderança carismática cedeu lugar a organizações hierárquicas. Esta mudança representava, ao mesmo tempo, uma influência da cultura Cananéia e também dava início a um processo de burocratização, secularização e paganização dentro da religião de Israel. Através deste processo, a confederação de tribos israelitas se tornou um Estado nacional e se amoldou aos reinos próximos. Este processo foi extensivo não apenas ao âmbito político, mas atingiu toda a existência da nação, inclusive sua vida religiosa e espiritual. Não somente o povo, mas também seus líderes foram drasticamente atingidos por este processo paganizante. O surgimento do profetismo neste período manteve “viva a vontade de resistir e de perpetuar a tradição carismática” e, de modo mais abrangente, a tradição javista.
A terceira situação, que também esteve relacionada ao surgimento do profetismo, foi o fracasso da instituição sacerdotal em fazer frente às influências corruptoras que ameaçavam a religião israelita (I Sm 2:12-17; 22-36; 3:10-14). Este fracasso é explicitamente descrito nas atitudes de Eli e de seus filhos. Movido por interesses próprios, o sacerdotalismo não teve problema em adaptar e até justificar as mudanças ocasionadas pela institucionalização da monarquia. Uma vez feita esta adaptação era interesse do sacerdote, tanto quanto do monarca, manter o status quo (BRUEGGMANN, 1983).
O poder do Deus da aliança foi colocado à serviço dos interesses da elite político-religiosa da nação. O estado passou a ser o fim para o qual todos estavam sujeitos, inclusive Deus. Deste modo, a liberdade e soberania de Yahweh eram sacrificadas por causa dos interesses político-econômicos da nação. Provavelmente por isso, a origem do profetismo esteja também intimamente associada às funções sacerdotais. Os profetas passaram então a execer algumas funções que antes competiam aos sacerdotes, como nos exemplos de Moises e de Arão ( SCOTT, 1968, p.51-52)
Neste contexto, foi que homens movidos pela paixão às tradições religiosas de seu povo, comprometidos com o seu Deus e angustiados com a situação moral e espiritual de seu tempo, foram despertados a uma ação urgente. Certamente não pode ser jamais desconsiderado o fato de que estes homens foram capazes de perceber que esta situação também desagradava seu Deus. Viam eventos tais como fome, seca, praga de gafanhotos, epidemia, furação, terremoto e derrota diante do inimigo, não como simples acontecimentos fortuitos, mas como a reação de Yahweh à indiferença e obstinação da nação em relação a Sua vontade. Ligado a isso, viam uma ameaça ainda maior se formando no horizonte – uma potência mundial – contra Israel, Judá e outras nações. Ameaça essa que viria como justo juízo de Yahweh por causa da obstinação e corrupção do povo e de sua liderança.
Conclui-se que é muito difícil de estabelecer, com exatidão, uma seqüência histórica linear para a instituição profética veterotestamentária. Provavelmente a combinação de todos estes fatores e, talvez, de outros menos relevantes, tenha sido o responsável pelo levante de alguns homens que tinham a consciência de haverem sido chamados por Deus para anunciarem a sua palavra a seus contemporâneos. Estes homens são conhecidos por nós hoje sob a denominação de profetas. Porém, não podemos deixar de reconhecer a grande variedade que caracteriza todos aqueles aos quais damos este título genérico.
REFERENCIAIS
BRIGHT, J. História de Israel. São Paulo: Paulus, 1978.
LASOR; HUBBARD; BUSH. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.
SCOTT, A.B.Y. Os Profetas de Israel: nossos contemporâneos. São Paulo: Aste, 1968.
HILL. Andrew; WALTON. J.H. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2007.
Jacob Edson de Moura Souza é Bacharel em Teologia-SETAD; Convalidação em Teologia-FATIN; Licenciado Pleno em Pedagogia-UFPA; Especialista em Docência do Ensino Superior-FATEH; Pós-graduando em Teologia Bíblica da Faculdade Evangélica de Brasília-FE.
[1]Vid. Mt 2.5,15,17; 3.3; 4.14; 8.17; 12.39; 21.4; Lc 3.4; 4.27; Jo 1.23; 12.38; At 2.16; 3.24; 13.20; 28.25, etc. O presente trabalho segue as abreviações dos livros bíblicos da Versão Atualizada de João Ferreira de Almeida.